Drauzio
Varella
Médico e Escritor
Eu acho que não dá para chegar para uma pessoa que
você acabou de conhecer e dizer: "Olha, eu sou infectado pelo
vírus".
Drauzio, todos percebem que
as campanhas de prevenção contra AIDS, aqui no Brasil,
são extremamente criativas. Mas parece que elas são
mais trabalhadas em determinados períodos do ano, como,
por exemplo, no Carnaval; e em outros, são quase esquecidas.
Como você vê a responsabilidade do governo brasileiro
em relação a isso, e até que ponto as pessoas
devem esperar mais ações dos nossos governantes?
Drauzio: Eu acho
que, em matéria de campanhas de prevenção,
de campanhas educativas, estamos bem à frente dos outros
países, mesmo dos desenvolvidos. Desde o início da
epidemia de AIDS, nós falamos, aqui, num tom que ninguém
falou aí fora. Em 1985, na Jovem Pan, eu explicava como é que
se desinfetava seringa. Isso, naquela época. Nesse ponto,
a linguagem, a franqueza com a qual a gente fala de AIDS no Brasil,
eu não vejo em nenhum outro país. Por outro lado,
o que nós fazemos é pouco, porque educação,
mudança de comportamento, é a coisa mais difícil
que pode existir. Ainda mais comportamento sexual. Se você começa
a fazer a barba do lado esquerdo, todo dia vai começar pelo
mesmo lado, não começa nunca do lado direito. Agora,
imagine um comportamento sexual. Pra alterá-lo, tem que
ser via repetição, repetição, repetição...
Não podemos ficar esperando tudo do governo. Vão
falar, à meia-noite, num canal de pequena audiência.
Teria que fazer isso em programas de grande audiência. Mas
e o custo? Então, eu acho que cabe à sociedade fazer
sua parte. Em todos os níveis. Isso que você, Maurício,
está fazendo, o que o outro faz no sindicato, na empresa...
E não existe caminho único, cada um tem de descobrir
o seu.
Hoje, a AIDS deixou de ser relacionada
necessariamente à morte. Virou uma doença crônica
grave. Em pouco tempo, já podemos falar, não em cura,
mas em controle da doença. E isso é muito bom. Mas,
infelizmente, o que eu observo, em alguns pacientes adolescentes é que,
com a constatação do controle da AIDS, houve um afrouxamento
no comportamento de prevenção
Drauzio: Sem dúvida.
Eu acho que quando havia aquela imagem da AIDS terminal, aquele
sujeito magro, com o rosto marcado, com pintas de Sarcoma de Kaposi
(tipo de câncer de pele) espalhadas pela pele, aquela imagem
chocante, existia mais medo, mais cuidado. Isso mudou muito. Hoje
você não vê mais essa imagem. Os remédios
estão disponíveis no Brasil gratuitamente, todos
se tratam. E ninguém mais chega a esse tipo de situação,
ou pelo menos muito raramente. Isso parece ter baixado a guarda
da população.
Outra situação
nova é que estamos presenciando, hoje, o desenvolvimento
de adolescentes de 12, 13 anos, que foram contaminados intra-útero,
numa transmissão vertical. Começaram a ser medicadas
muito precocemente, e hoje eles estão aí, descobrindo
a sexualidade como todo o adolescente, querendo experimentar beijo,
relação sexual. … uma geração
diferente porque não é aquela da adolescente que
se contaminou com o namorado, ou via uso de drogas. Sem ter a doença
desenvolvida, essas pessoas carregam o vírus e muitas dúvidas: "Será que
eu posso beijar?", ou "Fiquei com uma menina. Devo falar
que tenho o vírus?". Como agir numa situação
desse tipo? A franqueza deve ser uma constante ou há uma
hora ideal e a pessoa certa para quem falar?
Drauzio: Eu acho
isso complicado. Às vezes, eu tenho adolescentes que me
perguntam "Eu conheci uma pessoa, você acha que eu devo
falar...?" Eu sou conservador nesse aspecto, sabe? Eu acho
que não dá para chegar para uma pessoa que você acabou
de conhecer e dizer: "Olha, eu sou infectado pelo vírus".
Isso só é viável em raríssimas situações.
Na média, eu acho que não dá, porque a pessoa
que fizer isso vai sofrer. A rejeição é pesada.
Eu digo o seguinte: AIDS não passa no contato casual, não
passa por beijo, não passa por abraço, passa por
penetração desprotegida. Então você deve
dizer simplesmente: "Olha, eu não transo sem preservativo." Se
uma pessoa HIV positivo não transa sem preservativo, não
transmite AIDS. Ponto! Não tem o que se discutir. Agora,
se essa pessoa tem um relacionamento sexual com outro, uma coisa
que envolve mais uma comunhão de interesses, de afetos,
de tudo, enfim, quando a relação é uma relação
que amadureceu, chegou a um ponto que não é mais
um simples namorinho, aí é hora de conversar.
Sobre últimas descobertas
e perspectivas em relação à AIDS, o que você acrescentaria?
Drauzio: Acho que
a gente chegou num ponto, em relação ao tratamento,
que jamais imaginávamos poder atingir, pelo menos em tão
pouco tempo, que é o controle da doença. Hoje já há grande
parte dos doentes controlados. Nesse ponto, evoluímos muito.
O grave, no Brasil, nesse momento, ainda é a prevenção.
Mesmo com os avanços no tratamento, não existe a
cura completa nem vacina para prevenir a AIDS. Então, quem
tem vida sexual ativa, tem de ter sexo seguro.
E quanto aos pais? A conversa
franca ainda é a melhor prevenção?
Drauzio: Em conversas
de pais com os filhos, o que pega ainda é o lado sexual.
Pais sempre têm dificuldade de falar sobre sexo com os filhos.
Mas isso tem de ser diferente. A AIDS é uma epidemia, os
filhos correm riscos concretos. Por mais embaraçosa que
seja a conversa, tem que haver espaço para ela, de qualquer
jeito. A experiência que eu tenho é que, com os meninos,
a coisa vai melhor.
Os pais conversam mais com os
meninos?
Drauzio:Sem dúvida.
Com os meninos, o pai diz: "Meu filho, olha aí, leva
camisinha... Vai sair? Você anda aprontando, toma cuidado..." Até a
mãe fala: "Olha, vai sair de casa, leva camisinha".
Mas com as filhas não. Com as filhas, é diferente. Às
vezes, a menina está com vinte e tantos anos, viaja, passa
o fim de semana com o namorado e a família finge que não
acontece nada. Eu acho que isso é uma coisa grave e que
põe em risco a vida da menina… É uma coisa
absurda. Veja, para o homem, é melhor transar sem do que
com camisinha, não tem o que discutir. Já para a
mulher, a diferença é mínima. Para muitas,
nem existe diferença. Isso tudo tem de ser dito para o adolescente,
não dá para mentir. Só a mulher submissa é que
aceita fazer sexo sem preservativo. A mulher moderna é aquela
que transa com camisinha.
Entrevista concedida à revista Filhos & Alunos nº 1
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