Mapa do Site Contato
São Paulo, 28 de março de 2024   
Telefone do Consultório do Dr. Maurício
 
 
Red Ballon


Entrevistas

 

 Drauzio Varella
  Médico e Escritor
  Eu acho que não dá para chegar para uma pessoa que você  acabou de conhecer e dizer: "Olha, eu sou infectado pelo vírus".



Drauzio, todos percebem que as campanhas de prevenção contra AIDS, aqui no Brasil, são extremamente criativas. Mas parece que elas são mais trabalhadas em determinados períodos do ano, como, por exemplo, no Carnaval; e em outros, são quase esquecidas. Como você vê a responsabilidade do governo brasileiro em relação a isso, e até que ponto as pessoas devem esperar mais ações dos nossos governantes?

Drauzio: Eu acho que, em matéria de campanhas de prevenção, de campanhas educativas, estamos bem à frente dos outros países, mesmo dos desenvolvidos. Desde o início da epidemia de AIDS, nós falamos, aqui, num tom que ninguém falou aí fora. Em 1985, na Jovem Pan, eu explicava como é que se desinfetava seringa. Isso, naquela época. Nesse ponto, a linguagem, a franqueza com a qual a gente fala de AIDS no Brasil, eu não vejo em nenhum outro país. Por outro lado, o que nós fazemos é pouco, porque educação, mudança de comportamento, é a coisa mais difícil que pode existir. Ainda mais comportamento sexual. Se você começa a fazer a barba do lado esquerdo, todo dia vai começar pelo mesmo lado, não começa nunca do lado direito. Agora, imagine um comportamento sexual. Pra alterá-lo, tem que ser via repetição, repetição, repetição... Não podemos ficar esperando tudo do governo. Vão falar, à meia-noite, num canal de pequena audiência. Teria que fazer isso em programas de grande audiência. Mas e o custo? Então, eu acho que cabe à sociedade fazer sua parte. Em todos os níveis. Isso que você, Maurício, está fazendo, o que o outro faz no sindicato, na empresa... E não existe caminho único, cada um tem de descobrir o seu.

Hoje, a AIDS deixou de ser relacionada necessariamente à morte. Virou uma doença crônica grave. Em pouco tempo, já podemos falar, não em cura, mas em controle da doença. E isso é muito bom. Mas, infelizmente, o que eu observo, em alguns pacientes adolescentes é que, com a constatação do controle da AIDS, houve um afrouxamento no comportamento de prevenção

Drauzio: Sem dúvida. Eu acho que quando havia aquela imagem da AIDS terminal, aquele sujeito magro, com o rosto marcado, com pintas de Sarcoma de Kaposi (tipo de câncer de pele) espalhadas pela pele, aquela imagem chocante, existia mais medo, mais cuidado. Isso mudou muito. Hoje você não vê mais essa imagem. Os remédios estão disponíveis no Brasil gratuitamente, todos se tratam. E ninguém mais chega a esse tipo de situação, ou pelo menos muito raramente. Isso parece ter baixado a guarda da população.

Outra situação nova é que estamos presenciando, hoje, o desenvolvimento de adolescentes de 12, 13 anos, que foram contaminados intra-útero, numa transmissão vertical. Começaram a ser medicadas muito precocemente, e hoje eles estão aí, descobrindo a sexualidade como todo o adolescente, querendo experimentar beijo, relação sexual. … uma geração diferente porque não é aquela da adolescente que se contaminou com o namorado, ou via uso de drogas. Sem ter a doença desenvolvida, essas pessoas carregam o vírus e muitas dúvidas: "Será que eu posso beijar?", ou "Fiquei com uma menina. Devo falar que tenho o vírus?". Como agir numa situação desse tipo? A franqueza deve ser uma constante ou há uma hora ideal e a pessoa certa para quem falar?

Drauzio: Eu acho isso complicado. Às vezes, eu tenho adolescentes que me perguntam "Eu conheci uma pessoa, você acha que eu devo falar...?" Eu sou conservador nesse aspecto, sabe? Eu acho que não dá para chegar para uma pessoa que você acabou de conhecer e dizer: "Olha, eu sou infectado pelo vírus". Isso só é viável em raríssimas situações. Na média, eu acho que não dá, porque a pessoa que fizer isso vai sofrer. A rejeição é pesada. Eu digo o seguinte: AIDS não passa no contato casual, não passa por beijo, não passa por abraço, passa por penetração desprotegida. Então você deve dizer simplesmente: "Olha, eu não transo sem preservativo." Se uma pessoa HIV positivo não transa sem preservativo, não transmite AIDS. Ponto! Não tem o que se discutir. Agora, se essa pessoa tem um relacionamento sexual com outro, uma coisa que envolve mais uma comunhão de interesses, de afetos, de tudo, enfim, quando a relação é uma relação que amadureceu, chegou a um ponto que não é mais um simples namorinho, aí é hora de conversar.

Sobre últimas descobertas e perspectivas em relação à AIDS, o que você acrescentaria?

Drauzio: Acho que a gente chegou num ponto, em relação ao tratamento, que jamais imaginávamos poder atingir, pelo menos em tão pouco tempo, que é o controle da doença. Hoje já há grande parte dos doentes controlados. Nesse ponto, evoluímos muito. O grave, no Brasil, nesse momento, ainda é a prevenção. Mesmo com os avanços no tratamento, não existe a cura completa nem vacina para prevenir a AIDS. Então, quem tem vida sexual ativa, tem de ter sexo seguro.

E quanto aos pais? A conversa franca ainda é a melhor prevenção?

Drauzio: Em conversas de pais com os filhos, o que pega ainda é o lado sexual. Pais sempre têm dificuldade de falar sobre sexo com os filhos. Mas isso tem de ser diferente. A AIDS é uma epidemia, os filhos correm riscos concretos. Por mais embaraçosa que seja a conversa, tem que haver espaço para ela, de qualquer jeito. A experiência que eu tenho é que, com os meninos, a coisa vai melhor.

Os pais conversam mais com os meninos?

Drauzio:Sem dúvida. Com os meninos, o pai diz: "Meu filho, olha aí, leva camisinha... Vai sair? Você anda aprontando, toma cuidado..." Até a mãe fala: "Olha, vai sair de casa, leva camisinha". Mas com as filhas não. Com as filhas, é diferente. Às vezes, a menina está com vinte e tantos anos, viaja, passa o fim de semana com o namorado e a família finge que não acontece nada. Eu acho que isso é uma coisa grave e que põe em risco a vida da menina… É uma coisa absurda. Veja, para o homem, é melhor transar sem do que com camisinha, não tem o que discutir. Já para a mulher, a diferença é mínima. Para muitas, nem existe diferença. Isso tudo tem de ser dito para o adolescente, não dá para mentir. Só a mulher submissa é que aceita fazer sexo sem preservativo. A mulher moderna é aquela que transa com camisinha.


Entrevista concedida à revista Filhos & Alunos nº 1



Consultório: Rua Viradouro, 63 • 1 º andar • Itaim Bibi • São Paulo • SP • [11] 3078-1479
Desenvolvimento F|Tech