Filippo
Pedrinola
Entrevista concedida à revista
Filhos & Alunos
"Os pais devem pensar que a alimentação tem
três pontos fundamentais que podem ser guiados pela informação
e pelo bom senso: horário, qualidade e quantidade."
O aumento da obesidade é uma realidade que observamos
não só na vida adulta, mas também na infância
e na adolescência. Como você vê esse fato?
Filippo: A obesidade é considerada uma epidemia mundial, uma doença,
e tem de ser tratada como tal. Antigamente, obesidade era vista como falta de
vontade, falta de personalidade e os gordinhos eram marginalizados. Na verdade,
obesidade é uma
doença multifatorial, as causas são inúmeras. Uma delas é o
componente genético, que é bastante importante. Existem vários
gens ligados à obesidade e muitos estudos vêm apontando perspectivas
de tratamento muito interessantes.
Uma criança que tem os pais obesos possui
mais chances de se tornar um adulto obeso?
Filippo: Tem muito mais chances. Se o pai e a mãe não são obesos,
a chance de o filho ser obeso é de 10%. Já se um dos pais for obeso,
a chance vai para 40%. E, finalmente, se o pai e a mãe são obesos,
a probabilidade de o filho ser obeso pula para 80%. Isso mostra que o componente
genético pesa literalmente. Mas os hábitos nesses casos também
contam. É o componente comportamental em casa. Existem estudos de gêmeos
univitelinos separados na infância e criados por famílias diferentes
que mostram uma tendência maior ao aumento de peso em famílias cujos
hábitos alimentares não são bons. Então é claro
que o fator genético é importante, mas existe uma preocupação
com o meio em que a criança cresce.
Como saber se a criança está obesa?
Filippo: O Índice de Massa Corpórea (IMC), usado para diagnóstico
em adultos, também já foi estabelecido para a infância com
tabelas que mostram se a criança está ou não obesa. O diagnóstico é importante
porque evidencia a gravidade do problema. Existem casos de necropsias feitas
em crianças que morreram por outros motivos em que foram encontrados depósitos
de colesterol nas coronárias. Isso em crianças de 5 anos.
Esse fato mostra a relação entre obesidade infantil e doenças
futuras?
Filippo: Sim, doenças como
aumento das taxas de gordura no sangue, pressão
alta, diabetes, fora os transtornos psicológicos, se somam. Quanto antes
a criança começa a se tratar, melhor o resultado.
Se, em casa, o fato de ingerir alimentos calóricos for uma constante,
fica difícil a criança mudar os hábitos. Como a família
pode participar do tratamento?
Filippo: Não adianta tratar
somente a criança. O comprometimento familiar
no tratamento é fundamental. Temos que considerar a família toda.
A criança depende do adulto. Quem faz o supermercado tem que reaprender
a comprar para oferecer coisas saudáveis para os filhos. A criança
tem que abrir o armário e encontrar opções saudáveis.
Muda-se o hábito sem existir pressão. O exemplo deve partir dos
pais. Se os pais estão acima do peso, que exemplo essa criança
vai ter?
E quanto ao lanche da escola?
Filippo: A criança passa uma boa parte da vida na escola. Por isso é necessária
uma interação entre a escola e a família. Os pais têm
que se preocupar em mandar um lanche saudável; e a escola, por sua vez,
deve ter uma orientação nutricional, uma cantina com alimentos
saudáveis. O tempo que a criança fica na escola nem sempre é fácil
de controlar porque também tem os amigos que trocam lanches. Isso não
significa que devemos proibir. A maioria dos alimentos que aparecem em propagandas
para as crianças é com alto teor de gordura e carboidrato. A criança
vê, fica com vontade. E proibir não funciona. A Abeso (Associação
Brasileira de Estudos sobre a Obesidade) tem uma campanha chamada "Dieta
Não" porque falar "não pode isso, não pode aquilo" dá mais
vontade. A orientação é comer com restrições.
Uma vez por semana, podemos levar as crianças para uma lanchonete e comer
um hambúrguer, por exemplo. Só que não vamos pedir a batata
frita. Pedimos um refrigerante light. Não precisamos pedir o sundae. Quanto
mais a criança entender o que é uma boa alimentação,
mais ela vai conseguir se cuidar.
Muitos pais proíbem as guloseimas durante a semana e as liberam nos
finais de semana. Esse tudo ou nada também é complicado?
Filippo: Sim, porque não é para
proibir nem liberar totalmente. O que mais funciona é a mudança
do hábito alimentar. É ter
o hábito de fazer exercício físico. Tudo isso deve ser constante.
A compensação no final de semana pode até ser interessante
se for por um dia, ou comer um doce, sempre com moderação. Com
a liberação total ou com a proibição total, o hábito
não se instala.
Ainda é comum as crianças terem uma bala ou um chocolate como
prêmio por algum bom comportamento?
Filippo: É comum, mas se isso for uma constante, também vira um problema
porque a criança associa a ingestão de um alimento calórico à idéia
de algo muito gratificante. É uma recompensa que tem implicações
importantes.
As férias estão chegando e a preocupação com o
corpo aumenta nesta época do ano. O imediatismo, típico na adolescência
e cada vez mais comum na pré-adolescência, leva a abusos perigosos?
Filippo: É o chamado desespero
de verão, que lota os consultórios
dos nutricionistas e endocrinologistas. A criança e o adolescente estão
em fase de crescimento. Se você impõe um emagrecimento violento,
você pode prejudicar o crescimento. Nós temos que pensar que cada
centímetro que a criança cresce corresponde a mais ou menos 1 quilo.
Muitas vezes, a combinação com a criança ou o adolescente
obeso, que está em crescimento, é de manter o peso. Somente crescendo,
o peso vai, aos poucos, caminhando para o normal. Mas é muito comum o
excesso de dieta e o excesso de exercícios físicos nessa fase.
E os pais devem ficar atentos com relação a comportamentos diferentes
que levam ao emagrecimento. Os pré-adolescentes e adolescentes, escondido
dos pais, usam laxantes, provocam vômitos, conseguem remédios de
uso controlado que são ingeridos sem critério. Isso é muito
comum em meninas. Já os meninos partem, muitas vezes, para uma busca do
corpo forte, o chamado "Complexo de Adonis", e tomam anabolizantes,
que também representam um problema sério.
E os suplementos alimentares?
Filippo: Estão sendo muito usados também, com a promessa de melhorar a
performance esportiva, de crescer, ficar "sarado". E sempre deveria
haver uma indicação. Na verdade, na maioria dos casos, não
há necessidade do uso de suplementos. As necessidades são supridas
com uma alimentação adequada. A não ser em casos de esportistas
de alto nível, os suplementos podem ser usados, mas sempre com uma indicação
médica.
Que sugestões você daria para os pais preocupados com a alimentação
de seus filhos?
Filippo: Em primeiro lugar, é dar o exemplo dentro de casa. É pensar que
o filho vai comer o que lhe for ofertado. Em segundo, é tentar uma interação
com a escola. É importante se preocupar com o lanche, conversar com a
professora, procurar saber que tipo de trabalho nutricional está sendo
realizado na escola. O terceiro ponto é incentivar a atividade física.
E, finalmente, os pais devem pensar que a alimentação tem três
pontos fundamentais que podem ser guiados pela informação e pelo
bom senso: horário, qualidade e quantidade.
Filippo Pedrinola é Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
Entrevista concedida à revista Filhos & Alunos nº 2
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